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Num blog da minha região em que colaboro, um dos participantes, respeitável Prof., expõe sobre as eleições como realidade política uma tese de que me permito discordar em público.
Pode aceder a essa tese
aqui.
Faço política dura e de combate antes de Abril num jornal de oposição e, depois do 25, de 1974 até ontem.
Redigi (mesmo, com as minhas mãos e depois com os meus dedos - e sempre com o meu cérebro) dezenas de Programas Eleitorais. E contribuí para muitos outros em debates, como calcula.
Isso não me dá nenhum papel especial nesta discussão: nem o de herói porque sei disto nem o de vilão porque afinal terei sido um dos que prometeram e, eventualmente, não cumpriram (melhor: eu apenas e sempre só teria ajudado a...). Aliás,
em boa parte dos casos, os que apoiei, se eleitos uma vez, voltaram a sê-lo em algumas eleições seguintes.
Mas para mim não é nada disso que está em causa. V
ejo as coisas de outro modo.
Assim:
1. Entendo que às eleições
não são aplicáveis nem a filosofia nem os princípios jurídicos destes ramos de Direito a que Manuel Leal Freire apela - seja, em matéria de modelo, o Direito Civil, seja, em matéria de eventuais desejáveis sanções, o Direito Criminal. Aliás, o próprio reconhece isso mesmo ao escrever algures que
«não havendo, nem podendo objectivamente haver,
qualquer sanção penal ou sequer civil para o incumprimento...».
2. Acho que todos sabem que
a base do actual mecanismo eleitoral vem, não da tradição civilista romana, mas sim das Revoluções francesa e americana (século XVIII), embora também muito caldeada, em certo ponto, pela
tradição inglesa. Simplifico, pois sei que no Reino Unido não existe um texto constitucional propriamente dito - e no entanto o seu sistema técnico e mecânico funciona (às vezes bem melhor). Falo, claro, do sistema constitucional, algo que sempre me deslumbrou mas sempre me deixou com a sensação do ter de ir mais além...
3. Esses mecanismos impuseram-se contra toda a anterior história das nossas regiões nestas matérias do poder... que sempre se basearam na força das armas e ou do poder económico.
4. Muito do que hoje vemos (armas e poder económico à frente) não é afinal mais do que o resquício daquilo que sempre aconteceu, pesem embora as
camuflagens constitucionais-eleitorais formais. O que aliás, bem depois das citadas revoluções continuou a acontecer nas nossas terras ao longo de mais de 150 anos - e, no caso português, se descontarmos a «boa intenção» da experiência de dois ou três casos da 1ª República, aconteceu sempre até ao 25 de Abril. mas hoje, basicamente, já lá estamos outra vez. Por isso é que Leal Freire pode escrever (e aí tem razão) que
«nenhum tem a intenção de cumprir o programa, ponto
a ponto, pois todos sabem da impossibilidade de o fazer». Só considero violentas as palavras «todos» e «nenhum», como já se deve ter percebido.
5. Finalmente, apenas uma recapitulação: acho que as bases deste Direito Eleitoral, do domínio do constitucional puro, se adequam mais com as palavras ética, moral, honra, verdade, participação, proximidade ao eleitor, intenção, honestidade - do que com a filosofia do Direito pura e dura do 'faço para que me faças», típica dos contratos sinalagmáticos, da reciprocidade e da sanção, em geral pecuniária, de ressarcimento, em caso de incumprimento de um dos signatários ou subscritores do contrato...
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Por tudo isso, e brincando com sons mas sendo verdadeiro, diria que esta questão para mim é mais do ramo do enigmático do que do sinalagmático... ou seja: confesso que este fenómeno das eleições para mim aparece muito mais ligado à essência humana da tentativa e do erro do que aos vários ramos do Direito. Peço desculpa pelo arrojo, mas é assim que o sinto.
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