quinta-feira, janeiro 24, 2008

Editorial: Não gosto mesmo nada disto

Editorial
Anda por aí uma tese barata, que, de facto, é lateral à ilegalidade das decisões em torno do Parque Mayer e da Feira Popular, mas que, na prática, alguns colocaram ontem no topo da análise como se fosse a questão central. Essa tese, que me incomoda, baseia-se numas contas feitas por alto e sem apoio em planos (o único critério legal, como os mesmos dizem sempre). Segundo essas contas, a CML lucraria umas dezenas de milhões de euros em anular as anteriores decisões da polémica. Assim, sem mais, como se esse fosse o fundamento da questão: cifrões, verbas, euros, milhões.
A Câmara lucra?! Mas é de lucro que se trata, puro e duro? Nem sei se isso é verdade. Aliás, repito, ninguém sabe nem pode saber honestamente, antes de haver planos para o Parque e para a antiga Feira Popular.
Mas sei que me choca que a questão seja colocada à partida nestes termos de deve e haver. Mas afinal a legalidade mede-se por aí, pelos milhões?
Veja a contradição: alega-se em tribunal a ilegalidade por violação do PDM e por falta de planos... e depois vem-se para a rua falar de milhões, calculados com base sabe-se lá em quê, esquecendo os tais planos e antes de eles serem elaborados. Que raio de lógica e de código de conduta é este?
Talvez até seja uma tese populista, quiçá simpática para muitos. Mas julgo que é um modo de pôr as coisas indecente e até pouco inteligente. (Por absurdo: e se os planos viessem a dar mais construção ainda a favor da Bragaparques na actual situação? Mas que não venha a acontecer isso, como não virá seguramente: o cerne da questão não pode ser esse mas sim a violação da lei).
Além do mais, parecem-me contas de merceeiro, de valor igualzinho ao das anteriores, agora contestadas em tribunal. O erário municipal sai mais defendido se a lei for cumprida: façam-se primeiro os planos e calcule-se depois o valor dos dois terrenos. Tudo o resto é falar por falar. Refiro-me a Sá Fernandes e à sua «avaliação» de ontem - Ver Nota (1) abaixo.
Não gosto disto. Quando vi tal barbaridade trazida para primeiro plano em duas das edições de hoje, pasmei.
Julgo que tal raciocínio, colocado assim sem mais como coisa central na questão em causa, demonstra mas é uma grande falta de formação ética. No mínimo.
Felizmente, o Presidente da CML, de forma bem construída, colocou ontem a questão onde deve ser colocada - e concordo com ele a 100%: na violação das normas imperativas de ordenamento do território.
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(1) Por exemplo: no Público, edição impressa, li o seguinte esta manhã: (A CML) «entregou os terrenos de Entrecampos ao grupo de Braga pelo valor de 114 milhões de euros - 60 correspondentes a uma hasta pública de parte dos terrenos e 54 por troca com o Parque Mayer, avaliado num valor equivalente a cerca de metade da Feira Popular. Sá Fernandes, que sempre defendeu que a avaliação tinha prejudicado o município, diz que, caso possa voltar a vender os terrenos, a autarquia conseguirá por eles 190 milhões.»
190 milhões porquê? Por que não 200? Ou 250? Qual a base de cálculo? Sabe o que isto me parece? Uma brincadeira, um coelho tirado da cartola, uma irresponsabilidade. Lamento.

8 comentários:

Anónimo disse...

JCM, você não perde uma oportunidade para dar uma alfinetada ao Sá Fernandes e ao Bloco, o que revela pela quantidade de alfinetadas que leio por aqui, que tem...um bloco atravessado na garganta.
Mas continue, que não obstante a visão centralista e aparelhista do PCP, este blog faz parte do meu tour diário.

Anónimo disse...

O bloco põe-se a jeito...

Anónimo disse...

O erro ou vício destes "cálculos" já foi denunciado por mim uma série de vezes, mas se se continua a insistir, vale a pena explicar de novo.
O erro consiste em se considerar o Indice de Urbanização referido no Plano Director como um indice Único, quando o que lá está é o Indice Máximo admissível. Ou seja, daí para baixo pode ser qualquer um, até zero! E quem o define é a conveniência urbanistica do local traduzida num plano e aprovado pela Câmara.
Uma boa comparação é com as limitações de velocidade nas estradas. O sinal indica qual a velocidade máxima q não se pode ultrapassar, mas não impõe q todos tenham q andar a essa velocidade.

José Carlos Mendes disse...

Boa, GAC. Obrigado pelo esclarecimento.

Anónimo disse...

Quando se fala em números, não está em causa que o fundamental é a legalidade dos actos e a sua consonância com o PDM. Mas, para quem não saiba, em Tribunal as coisas têm de ser quantificadas. O facto da vereação anterior e da Bragaparques prejudicarem o interesse público precisa de ser claramente identificado, com números, no julgamento. por outro lado, a opinião pública percepciona esse "prejuizo" quando se indicam valores.
De facto, sr. JCM, você anda à cata de qualquer coisa para atacar o BE. Se não fosse triste, até teria piada!

Anónimo disse...

Triste, é ver que, perante toda a gravidade da situação, e tendo havido a capacidade de a Câmara de Lisboa chegar a um concenso que a possa endireitar, não se resistiu a deturpar, a mais uma vez procurar manipular os factos. E aqui se vem com palas nos olhos ver ataques onde se expressaram factos.

José Carlos Mendes disse...

Para o anónimo desta noitada que diz serem necessários números e que a opinião pública assim percebe melhor, só posso ter uma resposta - que é a que está a pedir: é que a política não é uma ciganada (sem ofensa aos ciganos, claro): a política tem de ser e para mim é uma coisa séria. Apontar números sem base não é sério. Isto é que a opinião pública «percepciona» muito bem.Ponto.

Anónimo disse...

Vejo que tiveram uma noite longa. E percebo que o anónimo tem da opinião pública uma concepção pouco lisongeira: só entendem a realidade primária dos números, por isso há que lhes atirar com uns algarismos mesmo que nada traduzam da realidade - há malta fantástica, não há?!
Bom, para o anónimo aqui fica a minha sugestão: que deixe de julgar os outros "parvos" e reconheça os erros comitidos; é um bom princípio quando se quer de facto endireitar alguma coisa.