segunda-feira, agosto 21, 2006

Contrabando

Um pouco mais de qualidade de vida

É disso que se trata. O contrabando trazia, por baixo preço, um pouco mais de qualidade de vida às pessoas da zona. O contrabando foi uma actividade comercial considerável durante duas ou mais décadas: desde o fim da Guerra Civil espanhola até ao 25 de Abril. Mas com maior pujança, sem dúvida nas décadas de 40, 50 e 60.
É aí que estamos: essencialmente, até, nas décadas de 40 e de 50.
Os quadrazenhos arriscavam tudo pelo contrabando, isto é, para atravessarem a fronteira, irem ao lado de lá, às primeiras aldeias e vilórias espanholas comprar, depois atravessarem para cá com as costas carregadas de «taleigos» (sacos) cheios de material.
Do lado de lá, os guardas civis facilitavam. Obrigado: era exportação dos produtos deles... Do lado de cá, os guardas fiscais eram implacáveis. Quando os apanhavam, parece que a coisa era mesmo a doer por aquelas serranias abaixo e acima…
A ti’ Isabel Quadrazenha era um cromo destas andanças. Aparecia lá na terra todas as semanas carregada e saía de lá só com o dinheirito no bolso. A mercadoria era toda escoada.
Conhecia toda a gente da terra. E toda a gente a conhecia. E esperava-se por ela, como se esperava pela camioneta da carreira ou pela camioneta do peixe: fazia parte da «paisagem» semanal.
Mas, afinal, o que é que a ti’ Isabel Quadrazenha trazia nos seus sacos?
Tudo do melhor para a época.
Boinas espanholas com bilro. Eh!, pá. Quem é que não queria andar com uma boina espanhola na cabeça?
Alpergatas, rascas à brava, mas do melhor que se podia comprar para a vida diária e sem problemas de «fashion» ou de «in» ou «out». Uma espécie de ténis da época.
Chocolate.
Caramelos. Muitos caramelos. E que bons.

Tudo de uma vez!
Os quadrazenhos traziam também uma espécie de medicamento de venda livre: o Ceregumil. Um xarope concentrado, altamente vitaminado que servia para os putos abrirem o apetite. A ti' Isabel Quadrazenha vendia-o muito mais barato do que as farmácias em Portugal. Toda a gente lho comprava, sobretudo para a miudagem.
Era bom e fácil de tomar. E era doce e bom que se fartava.
Uma vez o ti’ Narciso (barbeiro-enfermeiro-médico da aldeia) receitou três frascos a um gajo que andava fraquito. Aquilo era tomado às colheres: três por dia. Mas o tipo, um patuleiazito, um pobre-diabo com quem toda a gente gozava, achou que aquilo era tão bom que havia de fazer bem se o tomasse logo todo. Assim curava-se logo, pensava o ti’ Luís Far’nheira. «Mamou» logo os três frascos, como quem bebe uma garrafa de vinho. E pronto… Depois levou um raspanete do ti’ Narciso. Mas ele não se importou nada: curou-se e isso é que era importante.

2 comentários:

José Carlos Mendes disse...

Ali, na raia espanhola, eram os «carabineros».

José Carlos Mendes disse...

Com o contrabando vinha também o café.

Já me estava a esquecer.