terça-feira, setembro 12, 2006

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A noite dos lobos

Lá por alturas do final da II Guerra Mundial, a aldeia era medonha. Sobretudo naqueles Invernos rigorosos. Os nossos pais contavam assim: não havia luz (electricidade) e toda a região estava de noite mergulhada em profundo silêncio e em total escuridão.
Os humanos estavam todos em suas casas, de volta da lareira. Os mais velhos contavam histórias aos pequenitos. Muitas vezes, histórias medonhas. «A Torre da Babilónia», a «Noite da Bruxa Má» e similares eram o prato do dia: da noite. Os miúdos ficavam assutadiiiiinhos…

Foi numa dessas noites de breu que se passou aquela história em que o ti’ Álvaro Abreu se viu cercado por dois lobos.
«Uma noite», contava a minha sogra à filhita de seis anitos, «ainda tu não tinhas nascido, e nós ainda vivíamos na outra casinha lá em baixo no Batorel… o ti’ Álvaro Abreu ia morrendo de medo.»
Ela contava que estavam os dois, futuros pai e mãe, ao lume (= à lareira), estava muito escuro, choviscava uma chuvinha miudinha e o ventinho da serra cortava as orelhas e começam a ouvir uns gritos lá ao longe, uns gritos de muita aflição e cada vez mais fortes.
- Uuuuuuh!
O futuro pai não era homem de se ficar e pega na lanterna de petróleo, desata o macho, monta-se, pega na pistola e… «ala» que se faz tarde: vai ao encontro dos gritos que não paravam:
- Acuuuuuuudam! Acuuuudam! Acuuuudam!
Gritos verdadeiramente lancinantes.
Vinham dos lados da Ponte, lá para a Várzea.

Foi andando e o que encontrou?
Uma cena de filme negro, filme de terror: o ti’ Álvaro Abreu, montado no cavalo, aos pontapés e aos gritos. Vinha escoltado por dois lobos.
O homem, quando viu a lanterna lá ao longe, até ganhou uma alma nova.
- Quem vem lá?
- Sou eu, homem. O que é que há?
- Dois lobos. São lobos.
E dava pontapés.
Os lobos aí pararam.
Ficaram para trás.
O homem que veio em socorro saca da pistola: traaz, traaz: dois tiros para o ar.
Foi o que valeu.
Os animais sentiram-se acossados.
Fugiram a toda a brida.
E o ti’ Álvaro Abreu:
- Vieram atrás de mim desde o cruzamento da Moita. Ainda me vi mal desta vez. Vá lá que apareceu vossemecê. Os malandros até eram capazes de me deitar abaixo do cavalo e matavam-me.


O ti’ Álvaro Abreu nunca mais esqueceu o susto daquela noite nem quem o socorreu.

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