quinta-feira, janeiro 18, 2007

Os arrumadores de Lisboa

Já me tinham contado. Mas não quis escrever nada sem ir lá ver eu próprio. Do que se trata? De um parque de estacionamento que há ali para os lados do Cais de Sodré. Não do parque em si mas dos arrumadores desse parque. Os arrumadores, não. Dois dos arrumadores. Um branco queimado da vida (da vida, sim, incluindo o álcool, nitidamente – e sei lá do que mais). Outro «quase preto quase branco». Os dois, aliás, batem certinhos com a canção do Caetano: «Brancos quase pretos / Pretos quase brancos / Quase todos pobres».

Bom. Fui lá ver se era mesmo assim, como me tinham contado. E era.

Há então arrumadores que falam com os carros. Não com os donos dos carros. Não: com os carros, eles mesmos, depois de os donos os largarem e irem aos seus empregos – talvez ali mesmo, no Terreiro do Paço. O carro fica ali, mas sabe que está acompanhado: o arrumador conversa com ele de vez em quando. E... vai arrumar outro e outro, mas volta lá para, sei lá, continuar a conversa no momento em que a deixara.

Mas há mais.

Os arrumadores continuam a fazer os gestos de apoio para arrumar, de jornal na mão, tipo «Venha, venha, venha...», mesmo quando os carros já estão sozinhos e os donos no emprego... É verdade: vi eu: continuam a querer melhorar o estacionamento do carro sem condutor.
Não é estranho: são vidas (vivências) que fazem estas vidas assim.

E mais ainda.

Vi um arrumador (o tal «preto-quase-branco», gravata, casaco, chapéu de palha: castiço, mesmo) recolher a moeda e entregá-la ao outro (este, «branco-quase-preto»). Entregou as moedas, repetidamente ao outro. Não tem nada a ver com a cor da pele: são vidas (vivências) que fazem estas vidas assim.

(Lembro-me inevitavelmente do embuste de Santana Lopes, quando, para ter os votos nas urnas, prometeu aos arrumadores fardas, emprego certo, ordenado e sei lá que méis: o céu aberto... Fraudes.)

Fica aqui esta minha homenagem aos arrumadores de Lisboa, com simpatia - da qual nunca tomarão conhecimento nem dela querem saber para nada... Acho que merecem melhor do que têm. Sei que precisam mais. Mas nunca vão ter mais nem melhor. Lamentavelmente.

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1 comentário:

Anónimo disse...

e qdo é que a cml acaba com essa «profissoa»??! pior do que ter os arrumadores a pedir a moedinha, so mesmo os arrumadores que pedem a moedinha em zonas da emel: dupla tributação do estacionamento??? abuso, nao?