segunda-feira, agosto 07, 2006

Em noite de petisco

O Tonito faz um circuito em vala…

Havia na aldeia várias figuras castiças, nesses célebres anos 60. Uma delas era o «Tó Coxito», «Tonito» para a malta. O rapaz tinha tido poliomielite.
A estória que vou contar tem essa piada incluída: apesar da dificuldade física de locomoção, nada nunca impediu nessa altura o Tonito de entrar pela noite dentro com a malta em noitadas de petisco. E, numa dessas ocasiões, exactamente em noitada de petiscos, já com muito copo à mistura, o Tonito fez um enorme (para ele ainda maior) circuito em vala fechada
Vamos ver como foi que aconteceu…

Havia na aldeia o costume de cada um dos participantes da farra levar petiscos variados e vinho etc., de modo a que a malta se instalasse na adega de um e por lá pernoitasse até às quinhentas sem ter de interromper o convívio. Se por acaso, a meio da farra, se acabasse a comida – o vinho, por norma, (de)corria por conta «da casa», ou seja, bebia-se das pipas que estavam na adega onde se estacionava –, então tocava à vez a cada um dos participantes ter de ir desenrascar mais uns petiscos onde quer que fosse: por norma, a casa dos pais ou à sua própria casa, se já fosse casado…

Abrir parêntesis…

Conta-se até aquela história do ti’ Nàciso de ter de ouvir a mulher a insultar os tipos que de noite lhe tinham assaltado o «poleiro», ou seja, o galinheiro. «Filhos disto, filhos daquilo, não têm mais nada que fazer… Que pouca vergonha, os grandes desavergonhados, já viste, Nàciso? virem cá de noite e roubarem-nos as «pitas» (galinhas). Ah, se os cá apanho…» E tal. E o ti’ Nàciso, na cama ainda, apesar de já serem altas horas, mas caladinho e a fazer-se amodorrado…
É que nessa noite, fora a vez de ele ir buscar mais mantimentos, e, claro, fora lá a casa e roubara a si mesmo duas galinhas. E pronto: ala, que se faz tarde, direitinho para a adega em que estava o resto da malta à espera…

… Fechar parêntesis.

Pois bem.
Ao Tonito aconteceu-lhe também uma peripécia digna de registo, a qual ficou para a pequena história da aldeia.
Uma noite, duas ou três da manhã, a coisa prometia e ninguém tinha vontade nenhuma de se ir embora mas já não havia «chope-chope».
O Tonito ofereceu-se para ir «resolver» o problema, que é como quem diz: ir a casa dos pais roubar dois ou três coelhitos para assar.
Ok.
Lá arranca o Tonito.
Mas nunca mais chegava.
E são. E são quatro horas. E nada.
Lá pela madrugada, lá aparece o Tonito todo esbaforido.
- Então, homem, o que é que te aconteceu?
- Oh! Tive de ir à volta da vala… Caí lá para dentro e não havia maneira de sair de lá.
Gargalhada geral.

É que na aldeia andavam nessa altura exacta a meter a água canalizada. E já estava aberta a vala toda, a qual tinha para aí quase dois metros de profundidade, dava a volta aos dois quilómetros de estrada que atravessava a aldeia, com a agravante de não haver nenhuma rampa de saída em lado nenhum. Depois metia pela povoação abaixo, ainda sem rampa – mais outros tantos quilómetros, também sem qualquer hipótese de saída.
O Tonito contou que, com os copos, caíra na vala logo à saída da adega, sem que ninguém desse cota de nada. E, como era pequenino e muito coxo, não teve outro remédio se não percorrer a vala toda e a aldeia toda, com a pouca luz que lá chegava em baixo, e com os numerosíssimos obstáculos, pedregulhos e terra abandonada lá em baixo, ao longo da vala toda.

Mas não deixou de ir gamar os coelhitos aos pais.
E quando apareceu, mesmo já tarde, foi com o seu troféu a tiracolo que fez a entrada triunfal em mais um fim de noitada de petisco…