terça-feira, agosto 01, 2006

O primeiro carro da terra

O sr. António Mendes e o polícia da Sé da Guarda

Quem conheça a Sé da Guarda e o seu enfiamento na rua sem saída, a avenida principal da cidade, vai achar piada a esta historieta de tempos «imemoriais».
Devia estar-se lá pelo fim dos anos 30, pelo que consigo perceber.
O sr. António Mendes, o maior lavrador da zona – cujas terras tinham dantes sido foros e baldios mas de que a família dele se apropriara, algures numa mudança de regime no século XIX – foi o primeiro a ter carro por ali.
(Mas, verdade se diga que, a poucos quilómetros, havia alguém que tinha carro desde os primeiros anos do século XX. Era o Morgado de Santo Amaro, que tinha carro desde, mais propriamente, 1905, parece, ano em que se meteu por esses «estradas» até à Bélgica – terra dos seus encantos onde casara e tinha um filho. Essa história existe contada em livro penso que do Automóvel Clube Português a retomada pelo Dr. Vitor Pereira Neves, veterinário dali natural e que repescou uma série de descrições do antigamente.)
Voltemos então ao sr. António Mendes.
Conta-se que ele conduzia muito mal e que era um perigo.
Diz-se mesmo que tinha um criado (era assim o termo, sim), cuja tarefa era apenas esta: próximo das curvas, o lavrador parava o carro para o criado sair e ir à curva assomar-se para diante a ver se não vinha de lá ninguém: nem pessoas nem carroças, nem alguma carro que por ali eventualmente já circulasse. Afastado o perigo («Fujam, fujam, que vem aí o carro do sr. António Mendes») ou não o havendo, o criado, então, fazia sinais largos, gritava e «mandava» seguir o patrão…
Um prato.
Um fartote de rir para os meus avós e os meus pais e vizinhos quando isto se contava nos serões longos de convívio ali, à beira da estrada…
Ora, neste quadro, contava-se que…


… Um belo dia, logo de manhã, o sr. António Mendes apontou à cidade da Guarda, de carro, sempre com o mesmo esquema: curva / pára / criado sai / não vem ninguém ou «Fujam, fujam» / passa o carro / o homem volta a subir para o estribo (sim, nesse tempo os carros tinham os estribos saídos para se porem os pés, lembro-me muito bem do Chrysler velhinho de 1928 lá de casa…) / a viagem prossegue.
E lá vai o senhor, rumo à Guarda, onde chegou várias horas depois (sempre eram 32 quilómetros, que diabo!).

Entra na Cidade. Repete sempre o esquema, mas, ao subir a Avenida principal, eis que lá ao cimo, ao pé da Sé, mesmo em frente da Sé, estava um polícia no meio da avenida. Quem contava dizia que era um polícia sinaleiro – o que sempre me pareceu exagerado: polícia sinaleiro nos anos 40? Acho muito. Mas, enfim, era assim que nos vendiam a história.
O que é certo é que o carro avançava e o polícia não havia meio de sair da frente. Por mais que o sr. António Mendes apitasse (uma buzina como a das bicicletas, imaginam? Lembram-se’).
Foi aí que a cena se deu: o carro não pára, o polícia não sai da frente… o sr. António Mendes leva o agente em cima do «capot» e enfia com o carro (a velocidade era baixíssima, claro) na parede que está em frente (a Avenida não prossegue: ali tem de se virar ou para a esquerda ou para a direita: em frente é o muro alto de uma quinta, nessa altura).

Eis que o desfecho tem ainda mais piada.
Diz o polícia lá do alto do «capot»:
- Que diabo é isto? O senhor não me viu?
Resposta pronta e tranquila do sr. António Mendes (que bem sabia que a ele nada podia acontecer naquele tempo):
- Eu vi, que diabo. E o senhor não me viu a mim? Por mais que o avisasse o senhor não me saía da frente, o que é que quer?


Resolvia a questão, cada qual foi à sua vida e o incidente não teve qualquer consequência, como sempre, quando se tratava de grandes lavradores...

1 comentário:

Anónimo disse...

Olha lá esse Sr. Mendes não é um antepassado teu?

Se gostas de carros antigos vai ao Museu automóvel no Caramulo.